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domingo, 2 de maio de 2010

Patrimônios ameaçados

Mais de três mil bens tombados estão sem demarcação

Ministério Público move ações para delimitar entornos, inclusive da Serra do Curral

Junia Oliveira - Estado de Minas

Publicação: 02/05/2010 07:47 Atualização: 02/05/2010 07:54

As riquezas mineiras tombadas pelo patrimônio público sofrem, dia a dia, uma ameaça silenciosa e aparentemente inofensiva. A expansão imobiliária e o adensamento populacional se tornaram, com o passar dos anos, um risco à integridade dos bens protegidos pelas esferas federal, estadual e municipal. Além da inclusão do monumento ou do conjunto das cidades históricas no livro do tombo, é preciso delimitar um perímetro de proteção, tanto para a área de tombamento quanto para o entorno. No papel, essa definição deveria ocorrer no ato da caracterização. Na prática, nem sempre isso ocorre. Segundo levantamento do Ministério Público Estadual (MPE), a maioria absoluta dos mais de 3,5 mil bens que receberam a titulação em Minas Gerais não tem a demarcação dessas áreas. O resultado de um patrimônio sem fronteira é preocupante e vai da descaracterização arquitetônica ao conflito entre os órgãos responsáveis pela conservação e quem mora ao redor dele.

Segundo o coordenador da Promotoria de Defesa do Patrimônio, Marcos Paulo de Souza Miranda, todo bem tombado, seja um núcleo ou apenas um prédio, deve ter delimitadas duas áreas. A primeira é a de tombamento, por meio da qual se definem os limites onde a proteção deve ser mais rigorosa e cujas intervenções não podem implicar demolição ou dano do bem. A outra é a região do entorno, que objetiva preservar o ambiente, a visibilidade e a harmonia do local. Para essa, devem ser traçadas diretrizes para as intervenções, como altura máxima, volume, cores, acabamento, entre outros itens. “Os tombamentos mais antigos são pouco precisos, o que fragiliza a efetividade da proteção”, afirma.

Como consequência, moradores, querendo melhorar suas casas e sem uma regulamentação vigente, acabam por erguer construções incompatíveis com o patrimônio. Em vários locais, basta olhar em volta para ver uma série de irregularidades, segundo os parâmetros definidos pelos órgãos de proteção, como imóveis altos que comprometem a visibilidade do bem ou com telhados feitos a partir de materiais não recomendados para esses casos; afastamento frontal fora dos padrões; mais pavimentos levantados sem autorização; e os famosos puxadinhos.

O promotor cita alguns exemplos de bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que ainda não têm a configuração de tombamento nem do entorno. E ressalta um problema que pode comprometer um dos cartões-postais da capital. “Congonhas, na Região Central, por exemplo, ainda não tem a área de tombamento do núcleo bem delimitada. A Serra do Curral, por sua vez, não tem delimitada a área de entorno, o que tem possibilitado a construção de grandes prédios, sobretudo no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de BH, e em Nova Lima, na Grande BH, impactando negativamente o conjunto paisagístico do bem cultural considerado o maior símbolo da cidade”, relata.

Marcos Paulo afirma que, no âmbito do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), o problema é o mesmo. “Os entornos das igrejas de Ravena (distrito de Sabará) e Lobo Leite (distrito de Congonhas) não foram delimitados, gerando insegurança jurídica para as prefeituras e os moradores, que ficam na dúvida quanto ao fato de estar ou não numa área protegida”, destaca.

Regularização

O MPE está redobrando esforços junto ao Iepha, Iphan e conselhos municipais do patrimônio cultural para que as áreas de tombamento e de entorno sejam definidas com precisão e divulgadas para conhecimento público. Na tentativa de resolver o problema e acelerar o processo, o Ministério Público está começando a mover ações civis para obrigar os órgãos competentes a fazer a delimitação, nos casos mais críticos. Pelo menos duas estão em curso e foram feitas em conjunto com o Ministério Público Federal. A mais recente obriga o Iphan a marcar o perímetro da Serra do Curral. Na outra, a Justiça concedeu liminar, no início de março, determinado ao instituto que ponha fim à desorganização no entorno da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Itabirito, na Região Central de Minas.

O problema atinge a prefeitura do município, que cobra providências. Por causa da falta da normatização, não pode dar andamento aos processos administrativos e responder aos pedidos de aprovação de novos projetos e de obras já começadas. A construção do século 18 foi inscrita no livro do tombo em 1955, mas até hoje não tem as diretrizes de uso e ocupação para as edificações localizadas ao redor.

A historiadora Gilmara Eduarda Braga, ex-chefe da Divisão de Memória e Patrimônio da Prefeitura de Itabirito, conta que, desde 2000, havia três imóveis embargados pelo Iphan. Em 2005, diante da demanda de projetos para novas construções, o instituto foi procurado novamente. Em vistoria ao local, embargou as obras de pelo menos outros 10 imóveis e deu prazo máximo de 60 dias para a demolição dos andares superiores que haviam sido erguidos nas casas e dos telhados de metalon. A prefeitura acionou o MPE. “O tempo acabou e nada foi feito. O problema também é pedagógico, pois, se há uma atitude e não há desdobramento, fica no ar, perdendo-se o respeito e a credibilidade. Assim, outros se sentirão no direito de fazer errado também.”

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