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domingo, 19 de junho de 2011

"A PELEJA DO VISÃO CONTRA A CAVA DA AMBIÇÃO"

Mais uma vez o talento de João das Neves vem em defesa de Lagoa Santa em forma de cordel.
Depois do sucesso de "A peleja do Bom Cidadão contra a Maldita Gula" ele escreveu "A PELEJA DO VISÃO CONTRA A CAVA DA AMBIÇÃO".

Em primeira mão para o Preserve a Lagoa:

A PELEJA DO VISÃO CONTRA A CAVA DA AMBIÇÃO

Outra história, meus amigos
Este poeta lhes conta
História bela de luta,
Não de qualquer faz de conta.
História de um povo que diz
Nestas costas ninguém monta.

Os fatos já são antigos
Por muitos ignorados.
Vou narrando todos eles
Pois merecem ser lembrados.
Muitos deles são ruins
Mas os bons serão louvados.

Deu-se tudo nessa terra,
Que parece um paraíso.
De uma beleza tão grande
Que faz perder o juízo,
Que faz da dor alegria
E das lágrimas sorrisos.

Pois bem, lhes digo, senhores
E senhoras, atenção
Para os versos de um poeta
Que vem da população
E por amar esta terra
Lhes fala de coração.

Dizem que dentro da História
Histórias não se repetem
Mas que os fatos de um dia
A outros dias remetem
E que pensar no passado
Aos do presente compete.

E é por isso que outro dia
Numa grande reunião
Que juntou foi muita gente
Habitante do Visão
Este poeta gritou:
Viva, do povo, a união!

Pois não é que lá estavam
Juntos, alguns doutores
Pra tratar de uma disputa
Entre os que são moradores
E aqueles que se dizem
Desta terra benfeitores?

Mas como diz o ditado,
Cada vez mais popular,
Pobre que vê muita esmola
Se põe a desconfiar,
Pois quem lhe tira do bolso
Não está disposto a lhe dar.

Assim, quem rouba a saúde
Poluindo o ar e o solo
Pra riqueza acumular
Não vai me dar por consolo
Um chalé a beira mar.
Só se pensa que eu sou tolo.

Pra que o meu caro leitor
Diga se estou ou não certo
Vou narrar tudo que ouvi
Na reunião, bem de perto.
E assim, tim tim por tim tim
Lhes conto os fatos concretos.

O Visão, todos já sabem,
É um bairro populoso
Que fica em Lagoa Santa
Lugar pra lá de formoso
Que é por Deus abençoado
E pro Capeta, danoso.

Bem do lado do Visão
Existe um buraco enorme.
E este buraco, não há
Quem com ele se conforme,
Pois embora cheio d’água
Lambari ali não dorme.

O caso é que o tal buraco
Foi cavado pra colher
O minério de calcário
E em cimento converter.
Parabéns, disseram muitos,
Nós precisamos crescer.

Passando os anos se foram
E o tal sempre aumentava
Quanto mais ele se abria
Mais polêmicas causava
Pois se o cimento saia
A destruição só entrava.

Pra começar acabou
Com nosso belo cerrado.
- Não se incomodem, disseram,
Tudo por nós foi pensado.
No lugar do que se foi
Um novo será plantado!

Mas não foi o que se deu
E todos ali testemunham
O pequi virou sansão
Não foi isso o que propunham
Na maior desfaçatez
A bandeira verde empunham.

Região de transição
Do cerrado à mata Atlântica,
Só plantaram eucalipto,
Assassinaram a semântica
Destruindo o que era belo
Com esta ação tão tirânica.

Mas tem mais, tem muito mais
Pros que quiserem saber:
Lagoa Santa foi berço
Do homem no alvorecer
Sua riqueza arqueológica
Todos querem conhecer.

Pois justamente no sítio
Em que cavaram o buraco
Aos trancos, sem ter cuidado
Fazendo o maior estrago
Há milênios se abrigaram
Os nossos antepassados.

Uma perda irreparável
Pra ciência universal
Causada pela ganância
De tamanho sem igual
Que só entende de cifras
Trocando o bem pelo mal.

-Ora, o passado passou,
Disseram em coro ensaiado,
Nós olhamos pro futuro
O caso está encerrado
Pois quem pensa no antanho
Está morto e enterrado.

Apois, vejam os senhores
A que ponto se chegou
Atitudes como essa
A todos nos revoltou.
Mas não foi a gota d`água.
Que do copo transbordou.

Pois um copo só transborda
Quando uma gota se junta
A miríades de outras mais
E quando a nova se afunda
A água toda se agita
E a revolta se aprofunda.

Pois foi justo o que se deu
Nessa noite memorável
Pois do Visão, várias mãos
De maneira admirável,
A outras mãos se juntaram
Numa união invejável.

Santos Dumont, São Geraldo
Também da Várzea e Joá
Tinha gente da Lapinha
O povo todo de lá
Lundicéia e Palmital
Unido ao povo de cá.

Praia Angélica, Recanto
Foram lá testemunhar
Vila Maria, Fagundes
Não podiam, então, faltar
E lá foram com sua gente
O protesto levantar.

Pois não é que a cimenteira
Com explosões criminosas
Pra aumentar sua cava
De maneira pavorosa
Tava rachando as casas
Da gente que ali morava!

Tudo isso pra dobrar
O tamanho do buraco
De maneira irregular
Sem pensar no grande risco
De tudo ali desabar
E em tragédia acabar.

Pois a cava, pasmem todos,
Que pretendem aprofundar
Fica a menos de cem metros
Das casas que há por lá
Que correm grande perigo
De um dia desmoronar.

As rachaduras são grandes
Já se pode apreciar
Sem contar o barulhão
Que não dá pra agüentar
Da diuturna explosão
Pra tal cava alargar.

Veja bem, caro leitor,
O que disse a cimenteira
Que na verdade ela via
Tudo de outra maneira
Que barulho não havia
E muito menos poeira.

Que não havia um estudo sério
Provando haver malefício
Para a saúde e o ambiente.
Ao contrário, o benefício,
Era visto a olho nu
Por quem era douto no ofício.

E por seu representante
A cimenteira afirmou
Ser lá dentro o ar tão puro
Que seu dono ali morou
Morrendo bem satisfeito
Depois que rico ficou.

Mas um velho morador
Um senhor bem ponderado
De pronto lhe respondeu
Dizendo estar enganado
Pois o ar era tão sujo
Que o povo tava gripado.

Disse mais este senhor
Que há muito tempo havia
Na região muita água
E que a cava absorvia
Toda água que brotava
Com sua grande bacia.

E que ao ser duplicada
Outro perigo haveria
De a própria Lagoa Grande
Tarde ou cedo, algum dia,
Com tanta depredação
Tornar-se de águas, vazia.


Houve, então, como é normal
Acirrada discussão
Entre os donos do cimento
E toda a população
E foi bonito de ver
Todo o povo dizer: Não!

Não queremos mais buraco
Não queremos explosão
Não queremos rachaduras
Tampouco poluição
Que provoca em nossos filhos
Gripe, dor, constipação.

Não queremos mais doenças
Em seu pequeno pulmão
Não queremos sofrimentos
Pro seu frágil coração
Não queremos ter aqui
Os males de Cubatão.

Na fala das mães aflitas
Todos puderam aprender
Como é bonita a firmeza.
Que dizer “não” pode ser
Um jeito de dizer “sim”
Para o ato de viver.

E que a vida faz sentido
Quando a vida é protegida
Quando a água que se bebe
É pura, despoluída
Sendo o ar que se respira
Puro símbolo da vida.

Digo mais, caros amigos,
Pra encerrar a narração
Com uma bela advertência
A quem faz mineração
De um doutor cientista
Que estava na reunião.

Disse que as mineradoras
Devem mudar de atitude
Que o que se fez no passado
Só foi feito em virtude
Do hábito de se enganar
Quem com aparências se ilude.

Mas que agora toda gente
Conhece bem seus direitos
E não adianta afirmar
Que o mal feito é bem feito
Pois o povo hoje exige
Que lhe demonstrem respeito.

Que se a nossa prefeitura
Respeitasse sua gente
Seria ela a primeira
A mostrar-se descontente
E não fingir que não vê
Mostrando ser conivente.

Pois quem trilha o mau caminho
Um dia há de pagar
Quem se ilude com o poder
Esquece de avaliar
Que é do povo que ele emana.
E o povo sabe cobrar.

Já vou indo, meus amigos
Ouçam bem o que lhes digo
Todos que ali estiveram
Abraçaram a bela causa

Do Visão. E abençoaram
As coisas que foram ditas
Sem rancor e aleivosia.

Não se vive só de lucro
E tampouco o bom progresso
Viaja só pela estrada
Estreita da velha cobiça.
Saúde, paz e alegria.

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